
O Cacau Menezes até tem umas tiradas legais. Tá bom, o cara é engraçado, caricato. Tem lá seus defeitos - como todos tem. Quem é de Santa Catarina, ou é das redondezas e pega o sinal da RBS, se diverte com seus comentários no Jornal do Almoço. É filho do jornalista Manoel de Menezes, dono do extinto Rádio Jornal A Verdade, e que tinha grande influência na província, e começou a carreira como narrador de futebol - o mais novo do Brasil, segundo o mesmo se gaba.
O Figueirense tem uma das maiores torcidas de Santa Catarina - se não a maior (não sei se dá pra confiar nessas "estatísticas"). Sem apologias, mas o Figueira é, agora, um time moderno, competitivo, teve uma administração que soube captar investimentos; enfim, superou a várzea, o limbo do Campeonato Catarinense, e hoje compete contra o Fluminense o título de campeão da Copa do Brasil.
Qual o ponto que aproxima os dois personagens? Não é só porque Cacau é avaiano assumido, o que o torna um potencial rival do Figueirense. O que os une - ou os distancia - são duas concepções diferentes da cidade de Florianópolis que ambos, talvez sem o saber, carregam.
Cacau representa a cidade que já foi. Representa uma Florianópolis pacata, interiorana, muito provinciana. Uma Floripa de uns 15, 20 anos para trás, como diz a fala do povo. Cidade onde se podia andar tranquilamente pelas ruas na madrugada, ou mesmo de dia, sem se preocupar com um sequestro relâmpago, um assalto a mão armada. Época feliz com seus Fuscas e Grupo Engenho tocando no Mercado Público. Época de quando por aqui se torcia obrigatoriamente por dois times de futebol: ou Avaí, ou Figueira, e mais um time do Rio ou São Paulo, já que os nativos não davam conta do recado. Esse era um tempo em que tudo era novidade, tudo que vinha de fora era espantosamente novo e radical, e a cidade toda parava pra ver qualquer nota sobre Santa Catarina na Rede Globo, esse pedaço esquecido do extinto
Sul Maravilha. Um tempo que se dizia que aqui tínhamos o segundo melhor carnaval do Brasil, só perdendo pro do Rio, e que se decretava, por canetaço, ser a
Capital Turística do Mercosul. O apresentador mesmo reprisa várias vezes esse
passado glorioso da cidade, dentro da sua eterna coluna no Jornal do Almoço.
O Figueirense, por sua vez, representa o novo em Florianópolis. A capacidade de inovar, de se adaptar e superar limites. Representa uma cidade que não espera: faz. Uma cidade que tem potencial, tem talento, e pode unir o tradicional com o contemporâneo, e ir mais além. Uma cidade que ainda tenta ser qualquer coisa, de gente nova com idéias novas, mas que é sufocada. É o Dazaranha, que une o velho e o atual. Que faz por merecer, se mexe, e não espera algum Bornhausen ou Amin da vida decretarem qualquer coisa. Cidade cuja juventude sai às ruas, impõe respeito, tranca as pontes e mija nos pés do prefeito, até as tarifas de ônibus baixarem. É um lugar que começa a tomar consciência de que não são os paulistas, gaúchos ou cariocas que
estão
acabando com Floripa, mas sim a especulação imobiliária que grassa nas áreas de proteção ambiental, acabando com um dos poucos pedaços restantes de Mata Atlântica original.
Isso não tem nada de pessoal, mas é preciso que se diga: Cacau Menezes representa a cidade que
não pode mais ser. Representa o atraso, uma cidade-cópia, de quando se tinha vergonha do manezinho do interior, e se imitava até o sotaque dos cariocas. De quando o que se tinha aqui era metade, era incompleto, era preciso esperar o complemento de fora, a anuência de fora. Florianópolis não pode continuar a ser provinciana. O
agito cultural não pode vir somente em função dos alunos da UFSC - cuja maioria, diga-se de passagem, nem é dali - ou em função dos turistas. A Lagoa não é o início e o fim cultural da Ilha, e o turismo não deve ser mais um pedaço de mato, praia e mar jogados ali, e
os haoles que se virem - mas também não pode ser Costão do Santinho e Jurerê Internacional, transformando a capital num condomínio de luxo fechado. A cidade não faz jus, nem de longe, ao título de
Capital Turística do Mercosul - um lugar que explora o turista, e não o turismo, não merece essa alcunha. Uma cidade que culpa os
haoles, os forasteiros, pelas desgraças que elas mesmas deixaram acontecer. Enfim, uma cidade que ama e odeia o que vem de fora.
Florianópolis deveria tomar a consciência de um Figueirense - com alguns apartes sociais, obviamente. Deveria se reciclar, abrir passagem, ousar, fundir, unir morro e asfalto, Ilha e Continente, mané e gaúcho. Querer ser algo não por meta governamental de um prefeito-administrador-canalha, mas por vontade popular. O nosso povo está continuadamente dando mostras de seu talento. Agora só resta superar a cangalha do passado...